SOLITUDE


web-galllery, 2018 - present

PT

Os olhos habituam-se ao escuro e à ausência de qualquer estímulo que cause corrente elétrica na pele. Habituam-se, mas à custa de um pesar no peito, de uma incompletude e de um ruido confinado aos ecos longínquos de um lugar mental que nem sabíamos existir. A constatação de inexistência, de não pertença, de transparência social, isola-nos no mais negro dos compartimentos do ser. E ainda que mil olhos se nos cravem na nuca ou no caminho, saberemos que não nos querem, que não nos vêem. Assim o sentimos. Onde estamos afinal? Existirá luz, ou somos incapazes de a ver? Perdidos de nós, vagueamos sem amparo. Caminhamos embrulhados numa manta velha, furada por traças e bafienta de medo. Chegamos a temer que aquilo que ainda vemos de nós, braços, pernas, pés, também eles se esfumem na corrente de ar que ainda nos anima um fio de cabelo. Estamos sozinhos, irremediavelmente sós. Ou antes, perdidos dentro daquilo que se despegou de nós, do que perdemos, do que não encontrámos. E todo o sofrimento se reflete na garganta apertada, nos ossos partidos e no vazio da não pertença. Ninguém o vê, nem eu, nem tu, ninguém. Em solidão o cone de visão volta-se para dentro, está imerso em sons de culpa e raiva, em sons de mato bravo e vegetação seca. Estenderem-nos a mão altruísta não chega, porque os olhos continuam fora de órbita, revestidos a papel de prata sem valor.

Sem que contemos, surge um sinal de reparação. Apreciamos um silêncio que se instala no meio dos cacos e que dá calma e serenidade à estrada assustadoramente deseletrificada. Respira-se, finalmente, com alguma capacidade de esticar o peito e barriga para a frente. Levantamos o pescoço e encontramos alguma direção, ainda que a estrada pareça um campo pantanoso de onde não vão surgir marcas de cal orientadoras. Não importa. A angústia enterrámo-la lá onde apreciámos o silêncio. Expectantes, encorajamo-nos limpando os olhos da solidão que nos curvava a existência. A sala vazia, vai tranquilamente dando lugar a compartimentos com sentido, com memórias, mas sem saudosismo masoquista. A solitude instala-se, agora, por baixo da pele. E essa, mesmo se arranhada, anima esse conjunto de vontades que sem querer guardámos, e que reinventamos agora em cada golo da vida que começamos a viver.

ENG

The eyes get used to the dark and the absence of any stimulus that causes an electric current on the skin. They get used to it, but at the cost of a heavy heart, an incompleteness and a noise confined to the distant echoes of a mental place that we didn't even know existed. The realization of non-existence, of non-belonging, of social transparency, isolates us in the darkest of compartments of being. And even if a thousand eyes stare at the back of our neck or on the path, we will know that they don't want us, that they don't see us. That's how we feel. Where are we anyway? Is there light, or are we unable to see it? Lost of ourselves, we wander without support. We walked wrapped in an old blanket, holed by moths and smelly with fear. We come to fear that what we still see of ourselves, arms, legs, feet, will also disappear in the air current that still cheers us a hair. We are alone, irremediably alone. Or rather, lost within what has become detached from us, what we have lost, what we have not found. And all the suffering is reflected in the tight throat, the broken bones and the emptiness of not belonging. Nobody sees it, not me, not you, nobody. In solitude the cone of vision turns inward, it is immersed in sounds of guilt and anger, in sounds of wild grass and dry vegetation. Extending an altruistic hand to us is not enough, because the eyes are still out of orbit, covered in worthless silver paper.

Without us holding back, a sign of repair appears. We appreciate a silence that settles among the fragments and gives calm and serenity to the frighteningly de-electrified road. Finally, breathe, with some ability to stretch your chest and belly forward. We raise our necks and find some direction, even though the road looks like a swampy field from which no guiding lime marks will emerge. It doesn't matter. We buried our anguish there where we enjoyed the silence. Expectant, we encouraged ourselves by clearing our eyes of the loneliness that hampered our existence. The empty room quietly gives way to compartments with meaning, with memories, but without masochistic nostalgia. Solitude now settles beneath the skin. And this, even if scratched, animates this set of desires that we unintentionally kept, and that we now reinvent with each step of the life we begin to live.

Composição / Composition __ Manuel Guimarães
Texto / Text __ Joana Raposo Gomes

Sugere-se o uso de auriculares ou altifalantes externos /// The use of headphones or external speakers is sugested.
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Solitude : parte I - NÃO HABITADA / UNINVITED - (click here)
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video, 03'46'' (loop), 1920x1080, 2 ch
video, 01'22'' (loop), 1920x1080, 2 ch
video, 05'44'' (loop), 1920x1080, 2 ch


Solitude : parte II
(WIP)

Solitude : parte III
(WIP)

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